O
LABIRINTO DA CATEDRAL DE CHARTRES
Na
catedral de Chartres, na França, existe o mais renomado labirinto do mundo. Ele
serviu de inspiração e modelo a muitos outros, ainda existentes em catedrais da
maior respeitabilidade no orbe católico.
Sabe-se
que muitos desses labirintos foram destruídos em séculos de iluminismo ou
anticatolicismo. Mas, o que faz um labirinto gravado no chão? Qual é a função
desse desenho matemático no recinto sagrado de uma catedral?
A
seguir, considerações do livro “Chartres: le labyrinthe déchiffré” (“Chartres, o
labirinto decifrado”), de John e Odette Ketley-Laporte, Éditions Garnier, 1997.
Os
labirintos da Antiguidade
Os
labirintos dos quais mais se fala são o das pirâmides do Egito e o da ilha de
Creta, na área de cultura helênica.
Em
ambos os casos tudo indica que não se tratou de construções materiais, mas sobre
tudo mitológicas.
Atribui-se
ao faraó Amenemhat III (1860 a.C. – 1814 a.C) a construção de um palácio
monumental na depressão de Faium, perto do lago Meris (atualmente Birket-Qarun).
O palácio teria tido quase três mil salas, ligadas por um complexo sistema de
corredores em vários níveis. Esse prédio foi chamado pelos gregos de Labirinto.
Mas nada restou dele.
A
lenda do labirinto, entretanto, sobreviveu ao palácio. Segundo ela, no prédio
morava o deus Anúbis, divindade com cabeça de cão, que por meio de um fio
conduzia até o deus supremo as almas dos faraós falecidos, superando os perigos
do abismo eterno.
Segundo
Heródoto, a lenda do palácio de Amenemhat III teria inspirado o arquiteto Dédalo
– encarregado por Minos, rei de Creta – a construir uma prisão para o monstro
Minotauro.
A
lenda do Labirinto de Dédalo foi a que mais marcou o Ocidente. Houve intensos
esforços para localizar suas ruínas ou, pelo menos, o local onde poderia ter
estado.
“Nenhuma
das numerosas escavações efetuadas nos sítios arqueológicos da ilha de Creta
revelou qualquer indício sério sobre a verdadeira natureza, nem mesmo da
localização do famoso Labirinto” – escrevem John e Odette
Ketley-Laporte.
A
lenda grega é uma adaptação da mitologia egípcia: Ariadne, filha do rei de
Creta, deu ao herói Teseu, como prova de amor, a ponta de um novelo de lã que
ela desenrolava.
Teseu
nunca devia afrouxar para não se perder no Labirinto e atingir por fim a
salvação ou paz eterna.
No
meio do Labirinto, Teseu encontrou o demoníaco Minotauro, acabou vencendo-o e
por meio do fio atingiu a salvação.
A
Antiguidade deixou parcos desenhos de um Labirinto.
O
Labirinto no Cristianismo
É
no cristianismo que o labirinto adquire toda a sua dimensão simbólica, religiosa
e moral.
O
primeiro labirinto cristão recuperado é o da Basílica de São Reparato, hoje em
ruínas, construída em estilo romano no ano 324, em El-Asnam
(Argélia).
Este
labirinto é um mosaico, a exemplo de todo o chão da igreja. Suas dimensões –
2,40 metros por 3 metros – mostram que ele não foi feito para ser percorrido a
pé, mas acompanhado com o olhar.
Cada
pedrinha do mosaico tem uma letra, devendo o fiel encontrar no meio delas a
frase Sancta Mater Ecclesia (Santa Mãe Igreja). O ensinamento é que a Igreja é o
caminho certo em meio à confusão desta Terra.
No
século VI em diante, aparecem labirintos de maior beleza e perfeição nas igrejas
do norte da Itália, como em San Vitale (Ravena).
Mas
foi nas grandes catedrais medievais francesas de Poitiers, Amiens, Arras,
Auxerre, Reims, Bayeux, Chartres Mirepoix, Saint-Omer, Saint-Quentin e Toulouse,
entre outras, que o labirinto atingiu sua plenitude.
O
labirinto acabado: na catedral de Chartres
O
labirinto mais completo é sem dúvida o da catedral de Chartres, construído na
sua nave central por volta do ano 1200 e medindo cerca de 13 metros de diâmetro.
Ele
é redondo e suas pedras negras marcam o percurso – em pedras brancas – a ser
feito a pé ou de joelhos. A borda é finamente trabalhada, assim como o centro,
rodeado por um desenho florido.
A
renda de pedra que rodeia o labirinto estabelece uma fronteira entre o sagrado e
o profano.
O
labirinto de Chartres associa a espiritualidade cisterciense ao desejo de fazer
da catedral um modelo de perfeição acabada, espelho da Ordem do
Universo.
No
centro do labirinto havia uma extraordinária placa de cobre. Não sabemos que
imagens estavam nela representadas, pois as testemunhas pós-medievais já as
viram muito apagadas.
A
impiedade sacrílega da Revolução Francesa arrancou essa placa com o pretexto de
fundi-la e fazer canhões para a República.
No
dia da festa da Assunção de Nossa Senhora (no Calendário Juliano, ainda em uso
na Idade Média), um raio de sol atravessava o vitral central da fachada e
projetava a imagem de Nossa Senhora sobre o cobre, produzindo um efeito luminoso
colorido de esplendor incomparável.
Esse
centro é chamado de Paraíso, ou também de Jerusalém, aplicando-se o termo à
Jerusalém celeste e à Jerusalém pela qual os Cruzados combatiam.
Na
catedral de Reims, o percurso dentro do Labirinto recebia o nome de “Caminho de
Jerusalém” e era percorrido recitando-se as orações contidas num livrinho de
devoção especial.
Quem
ingressa no Labirinto deve caminhar através de onze anéis até chegar ao Paraíso.
O número 11 é simbólico e ensina que é um caminho a ser percorrido pelo pecador.
“O
número 11 – escreve R. Allendy – é o símbolo da luta interior, da dissonância,
do desvio. Santo Agostinho diz que é o número da transgressão da lei, porque
supera em um o número dez que é o número do Decálogo. (...) ‘É chamado – diz
Agrippa – o número do pecado e dos penitentes, motivo pelo qual foi ordenado
fazer onze sacos de silício no Tabernáculo para servirem de vestimenta aos
penitentes e para aqueles que choravam seus pecados’” (René Allendy, Le
symbolisme des nombres, Éditions traditionnelles, 1990)
Acrescentam
os autores: “Como a noção de penitência é indissociável da ideia de pecado,
pensamos imediatamente nos fiéis que, para fazer penitência na Idade Média,
percorriam o Labirinto de joelhos”.
Esses
onze anéis sinalizam o conjunto das peripécias que o homem concebido no pecado
deve atravessar no decurso da vida.
Ele
encontra obstáculos, voltas e desvios, retrocessos inesperados que o obrigam a
começar tudo de novo.
Sua
vida está cheia dessas idas e vindas, das voltas que não se entendem, das
aparentes aniquilações dos trabalhos feitos, da necessidade de reiniciar uma e
outra vez.
Lição
moral do Labirinto
Essas
situações da vida real, nas quais o caminho parece perdido e o trabalho de uma
vida desperdiçado, em que não se vê mais o ponto de chegada, também são momentos
de tentação.
Tentação
de desânimo, de desesperança, de largar os braços, de renunciar ao caminho, de
desistir da salvação.
Esses
são os momentos do anjo da perdição – representado pelo demoníaco Minotauro da
lenda de Creta – que figura de modo pagão o demônio do desespero que assalta os
homens no meio de alguma curva da vida.
Porém,
no Labirinto de Chartres, está representado também o novelo misterioso que ajuda
o pecador a não se perder e a vencer a tentação: a graça divina.
Com
um pormenorizado desenvolvimento matemático-simbólico, John e Odette
Ketley-Laporte mostram que o centro do Labirinto representa a Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Portanto,
Àquele que é o criador da graça e que a dispensa a todos os que perseveram no
labirinto da vida, impedindo que se percam ou que caiam nas armadilhas e nos
embustes que enchem a passagem do homem pela Terra.
A
condição para o fiel é uma só: nunca largar o fio do novelo, inclusive no
momento em que tudo parece rumar no contra-senso ou para trás. Mas há mais. A
catedral de Chartres é dedicada inteiramente à Mãe de Deus. É Ela quem
administra o novelo do Filho e nos dá o fio, tornando possível sermos fieis e
chegarmos a seu Divino Filho, após atravessar todas as vicissitudes desta vida.
Isso
está fortemente simbolizado em Chartres.
Por
exemplo, o percurso do Labirinto ou ‘Caminho de Jerusalém’ está composto com 273
pedras.
Elas
somam os dias dos nove meses da gestação, porque Nossa Senhora vai gestando para
o Céu a alma do pecador que percorre com o coração contrito e humilhado o
caminho rumo à Pátria celeste, guiado por Ela por meio do fio da graça de seu
Filho.
A
última pedra do ‘Caminho de Jerusalém’ tem um tamanho diverso de todas as outras
e a proporção do corpo humano.
Ela
representa simbolicamente o católico que após completar o caminho prenhe de
inverossímeis, chega à porta do ‘Paraíso’, prosterna-se agradecido e implora à
Virgem que o apresente a seu Divino Filho.
Nas
como que intérminas idas e vindas, o pecador que não perde de vista Nossa
Senhora talvez julgue percorrer um caminho caótico. Porém os autores do livro
mostram como, na realidade, essas idas e vindas pelo Labirinto desenham duas
vezes o monograma marial – a letra M – de modo surpreendente.
O
Labirinto de Chartres é bem uma “via de Maria”, porque nele Nossa Senhora nos
faz chegar a salvação eterna por sua intercessão, e é por causa d’Ela que o fiel
triunfa sobre as vicissitudes da vida mortal.
Essa
última pedra tem um outro simbolismo acrescido.
Dois
dias antes da festa da Assunção, o raio de sol de que falamos acima projeta a
imagem de Nossa Senhora sobre essa pedra. É a data presumida da Dormição de
Maria: o passo prévio à Assunção.
Dois
dias depois, na festa da Assunção, a imagem era projetada na esplêndida placa de
cobre.
Triunfo
final sobre o Labirinto
A
sabedoria dos construtores das catedrais surpreende a estreiteza dos raciocínios
modernos. E o Labirinto de Chartres nos fornece um maravilhoso
exemplo:
No
domingo de Páscoa, após as celebrações litúrgicas, os cônegos da catedral iam
fazer um inocente jogo de bola exatamente acima do Labirinto, enquanto cantavam
a sequência Victimae Pascali Laudes (À Vítima Pascoal oferecemos um sacrifício
de louvor).
Como
quem diz, com as palavras e os gestos, que Cristo venceu todas as vicissitudes
do Labirinto de sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição.
O
Labirinto foi vencido e Nosso Senhor está num trono no mais alto do Céu,
recebendo o eterno louvor de seus anjos e de seus santos.
É
o que cantará um dia, mutatis mutandis, a alma fiel que percorreu o labirinto de
sua vida com os olhos postos em Nossa Senhora.
No
fim da existência, as sinuosidades do Labirinto terão ficado definitivamente
para trás, e a alma que perseverou ascenderá ao Céu.
Ali
repousará por toda a eternidade, contemplando a beleza incomensurável de Nossa
Senhora e a glória infinita de Deus.
Na
imagem: Montagem fotográfica reconstitui o momento em que
a
imagem de Nossa Senhora é projetada no centro
do
Labirinto de Chartres, na festa da Assunção.
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