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EM SÃO PAULO, UMA HISTÓRIA DE AMOR
Publicado em: Crônicas Paulistanas, Lendas, Memórias Paulistanas, O Sertão e a Cidade
Planalto
de Piratininga, meados do século XVI: uma história de amor entre um jovem e
intrépido aventureiro português e uma linda princesa índia dava o impulso
inicial para a formação da vila de São Paulo, nossa futura metrópole de mesmo
nome. Séculos depois Caetano Veloso, numa de suas mais inspiradas composições
diria que “alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a
Ipiranga com a São João”. Não é para menos: desde sempre, o amor permeou os
destinos do lugar. Não estamos falando de enredo de novela das seis, tampouco
licença poética: trata-se do fato insofismável que marcou para sempre a nossa
História: o amor entre a índia Bartira e o português João Ramalho.
Nos
primeiros anos da colonização, um todo poderoso dava as cartas na região do
Planalto de Piratininga – como foi chamada, por muito tempo, toda a região que
hoje chamamos Grande São Paulo. O cacique Tibiriçá era mais que um chefe
guerreiro: era um verdadeiro senhor, comandante de uma confederação de tribos
por ele conquistadas. Ele era o comandante militar, chefe político e senhor
supremo, com direito a inúmeras esposas, um dos atributos pelos quais se media o
prestígio de um chefe. Os índios eram chamados genericamente tupinambás, mas
Tibiriçá pertencia de fato a etnia guaianase. Sua área de influência se media
desde a atual Santo André (chamada de Santo André da Borda do Campo) até o atual
bairro de Santo Amaro (igualmente denominada Santo Amaro da Borda do Campo),
passando pelo atual Centro, onde sob sua proteção, os jesuítas Manuel da Nóbrega
e José de Anchieta ergueram o Colégio que daria origem a vila.
Os
portugueses que chegavam ao litoral, via Vila de São Vicente, e precisavam subir
a Serra do Mar e ganhar o interior, sabiam da enorme dificuldade de vencer os
cerca de 75 quilometros da subida da Serra do Mar: percurso árduo, tortuoso,
íngreme, de mata fechada e sob a constante ameaça de emboscada pelos indígenas
que defendiam seu território do invasor branco. Apesar de suas armas superiores
e modernas e do número crescente de homens, levariam anos para levar a cabo o
projeto colonizador, a um custo incalculável de vidas: não se tratava de apenas
subir a serra: tinham de fundar e manter núcleos populacionais voltados para a
colonização. Era imprescindível estabelecer alianças com os nativos, os índios.
É quando entra em cena o português João Ramalho e a índia Bartira, filha do
cacique guerreiro Tibiriçá e Potira, uma de suas esposas.
João
Ramalho era um jovem aventureiro, sem posses, que partiu de Portugal aos 19
anos, em 1512, em busca de fortuna. Sem apoio material e militar de El-Rey, sua
nau naufragou no litoral da capitania de São Paulo e o portuguesinho teve de se
virar. Deveria ser muito esperto, valente, convincente e por que, não?, sortudo,
pois encontrar com indígenas naqueles tempos que o canibalismo era tradição, não
era bom negócio: que o diga Hans Staden, que passou sérios apuros nas mãos dos
Tupinambás litorâneos, escapando por pouco de ir para o espeto. Pouco antes
dele, o bispo Sardinha havia sido capturado e devorado. Cabe salientar que o
hábito de capturar prisioneiros e devorá-los ritualmente era um costume que nada
tinha ver com a mera comilança. O canibalismo era o ritual culminante das
guerras intertribais e a apropriação/incorporação da carne do inimigo era, de
certa forma, uma valorização do mesmo, um reconhecimento de sua força. Foi
gradualmente extinto pela ação dos missionários e jesuítas. Mas os religiosos de
bonzinhos não tinham nada. Se proibiram o canibalismo ritual, incentivaram o
trafico escravo indígena, o que para os indígenas provavelmente teve
conseqüências ainda mais nefastas, pois, o guerreiro aprisionado passou a ser
destituído de toda condição humana, mesmo da honra, ao ser convertido em
escravo. O canibalismo era, assim, a culminância de um processo. Apesar de
terrível, era o destino do guerreiro.
O
jovem de 20 anos, João Ramalho, se virou admiravelmente. Encontrou os
guaianazes, de quem se tornaria amigo e adaptou-se tão bem á nova vida que se
tornou um líder entre eles. Admitamos que não era um sujeito fácil: rude, tosco,
despótico, mas, convenhamos; aqueles não eram tempos de gentilezas ou
cordialidades, isso viria depois, se é que veio, como atesta o historiador
Sérgio Buarque de Hollanda. E foi numa de suas caminhadas que na altura da atual
Paranapiacaba encontrou o Tibiriçá, de quem tornou-se amigo.E ao cruzar olhares
com a filha do mesmo, a índia Bartira, estremeceu: embora não existam registros
do encontro, imagino que foi amor à primeira, paixão, louca paixão. Como num
roteiro cinematográfico, repleto de todos os clichês possíveis – da comédia a lá
Selton Melo ou o drama romântico ao estilo Tom Cruise – o intrépido aventureiro
desposava simplesmente a filha do homem mais poderoso do Planalto Piratininga.
Aliados notáveis, o sogro poderoso e influente e o genro corajoso e
astuto.
João
Ramalho tratou de fazer a ponte entre os interesses dos índios que dominavam
amplamente o território e os conterrâneos portugueses imbuídos no projeto de
colonização, além dos missionários jesuítas, empenhados em salvar a alma dos
gentios e ampliar o cristianismo católico – haja vista que a Europa fervia com a
Reforma. Assim, os portugueses que antes chegavam na costa e se preparavam para
a vida dura de levar flechadas e pauladas no lombo, eis que agora, graças as
intervenções de João Ramalho, eram bem recebidos – desde que a tribo fosse
daquelas sob a influência de Tibiriçá e consequentemente do genro. Se fosse, por
exemplo, dos carijós ou dos tamoyos, a coisa esquentava.
Em
poucos anos anos o prestígio de João Ramalho só cresceu. Seus feitos foram
muitos, menciono aqui uns poucos: em 1532 ajudou Martin Afonso a fundar São
Vicente, a primeira cidade brasileira; fundou ele mesmo o povoado de Santo André
da Borda do Campo, que em 1553 foi elevado á categoria de vila, da qual foi seu
primeiro alcaide (espécie de prefeito de então). Agora, nas boas graças de
El-Rey,era nomeado guarda-mór das terras de Piratininga.
Quando
os jesuítas decidiram fundar o Colégio São Paulo, onde hoje se localiza a Casa
de Anchieta, no Centrão paulistano, João Ramalho se mudou para cá. Juntamente
com o sogro Tibiriçá, foi um dos responsáveis pela defesa do Colégio São Paulo,
na famosa batalha de 10 de julho de 1562, onde uma aliança dos tupis e dos
carijós teriam varrido do mapa os jesuítas e os colonos. Não era santo, o João
Ramalho: deixou uma jovem esposa em Portugal, a quem nunca mais viu. Traficava
escravos indígenas. Teve cerca de 11 filhos com a princesa Bartira e era notório
pulador de cerca, tendo um número incalculável de outros filhos com outras
índias. Convenhamos que pular a cerca naqueles tempos era coisa
corriqueira e até louvável, sinal de virilidade.
Já
idoso, com quase 70 anos, retirou-se para o Vale do Paraíba onde deve ter tido
um final de vida tranqüilo, pois morreu aos 87 anos, um fenômeno para a época.
Seus descendentes, frutos de sua história de amor com Bartira espalharam-se por
sudeste, centro-oeste e sul do Brasil.
João
Ramalho, como muitos de nós, um paulistano por adoção, compreendeu desde cedo o
que é ser-tão paulistano, A seu modo, dada as condições da época, foi um
agregador. De certo modo, ajudou a fundar não apenas a cidade, mas seu espírito.
Nossa metrópole, notabilizada pelo cosmopolitismo, pelo encontro de várias
tribos modernas e sua relativa e pacífica convivência, sempre nos surpreendendo
em cada esquina, a cada dobra de sua História!
Acho
que agora compreendo melhor porque as serestas sempre fizeram tanto sucesso por
aqui – até nos dias atuais, os Trovadores Urbanos que o digam! O romantismo, o
amor já estava no ar quando os olhos do jovem João Ramalho e a linda Bartira se
cruzaram...
Fosse
eu, Joca Ramiro, prefeito ou alcáide-mór desta cidade, com a permissão da
Editora-Chefa deste Ser-tão Paulistano, Fernanda de Aragão Y Ramirez; com a
licença do memorialista da terra, o ZéMaria, faria publicar o seguinte Édito:
"São Paulo, a cidade do amor!
Que
se cumpra!"
reproduzo
abaixo, na íntegra, os versos de uma cantiga. Não foi deliberadamente daquelas
feitas especialmente em homenagem a São Paulo - são tantas, tantas, de tantos e
tantos compositores. Trata-se dos versos de "Flor Futura", da paulistana por
adoção, Consuelo de Paula e do paulistano da gema, Rubens Nogueira. Leiam - e se
possível, oiçam - e entenderão porque!
FLOR
FUTURA (no coração do meu filho)
a
esperança é insistente
mesmo
triste ela ela reside
mora
lá na minha casa
vive
aqui nessa cidade
quando
alegre cria asa
quando
chora, ela pousa
a
esperança é permanente
mesmo
vazia, habita
vive
nos sonhos, nas vilas
mora
num laço de fita
quando
bonita, viaja
quando
não vê, ela fica
antes
de tudo, antes do barro
na
escuridão, antes da cura
na
flor futura, depois do sol
no
coração, onde ela mora?
é
sempre sobrevivente
mesmo
ausente me visita
mora
lá no fim do mundo
vive
entre os vagabundos
quando
dia ela repousa
quando
tarde ela vigia
tá
no caminho, na ilusão
no
pavilhão e na secura
tá
na mais pura das verdades
tá
na loucura, onde ela mora?
não
cabe dentro da minha casa
é
bem maior que a cidade
maior
que o amor
maior
que a estrada
depois
do pó só vai restar
a
Esperança e sua cor esverdeada.
(por
Consuelo de Paula e Rubens Nogueira)
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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
em sao paulo, uma historia de amor
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