A
liberdade, onde está? A sophrosune é, para os gregos, a liberdade que se alcança
pelo domínio dos prazeres. A prática e o comedimento, diz Foucault, é o meio
pelo qual os gregos adquiriam a liberdade, através do uso correto dos prazeres
podia-se desfrutar deles, em vez de ser por eles comandado.
Ser livre em relação aos prazeres é não estar a seu serviço, é não ser seu escravo. O perigo que os aphrodisia trazem consigo é muito mais a servidão que a mácula” – Foucault, Uso dos Prazeres, p. 98
Não
se procura aqui por uma inocência perdida, um retorno a um estado de pureza que
antes se possuía. Todo processo da Enkrateia e finalmente da Sophrosune tem um
fim em si mesmo: a temperança de ser quem se é, e de não ser dominado por outro.
O homem livre é aquele que pode atuar politicamente, é aquele que pode guiar e
não ser guiado. A confiança em um homem que domina a si mesmo é importante para
que ele defina os rumos da cidade, ele é ativo politicamente e precisa dar conta
de suas responsabilidades.
Como pretender obter a obediência dos outros se não pudesse assegurar a submissão de seus próprios desejos?” – Foucault, Uso dos Prazeres, p. 101
Sempre
lembrando que submissão não é extirpação, eliminação. Os gregos nunca falam
contra os prazeres, não importa quais sejam, apenas advertem de seus perigos.
Estabelecemos então uma diferença entre Moral e Ética. Nesta última, tudo é uma
questão de doses, quantidade, qualidades, tempo, lugar. O homem deve tornar-se
forte para dirigir a si próprio mesmo nos piores momentos. Dar provas de si, de
força, de domínio, de virilidade. Obrigar à obediência aquilo que deve obedecer,
aquilo que está abaixo de si. Há uma relação de senhor e escravo dentro do
próprio homem, isso porque o ser humano, como disse Nietzsche, é um mar de
forças, ativas e reativas. Há forças de conservação que devem se submeter às
forças de criação.

Nos
gregos essas virtudes eram eminentemente masculinas, mas podemos hoje pensar em
forças ativas e reativas sem recair na questão de gênero. Virtudes de comando e
de submissão, daquilo que deve ser colocado a serviço da criação, da Vontade de
Potência. Se o homem não conhecer e dominar a si mesmo, ele se coloca numa
situação tal que é facilmente vencido por forças exteriores, enganado, passado
para trás. Se o corpo está em perigo, a cidade está em perigo. Assim como no
corpo, cada órgão exerce uma função, os gregos pensavam que os governantes não
eram superiores que os servos, apenas cada um deve tomar a posição que lhe cabe,
uma disposição que gere o máximo de crescimento e potência.
Quais
são as forças ativas? Ora, isso depende de cada um, em cada momento. Não há um
código moral que diga o que é nobre e o que é fraco. Tudo está na capacidade de
crianção, de diferenciar-se de si, e das forças que dão suporte para isso.
Precisamos nos perguntar constantemente: o que pode o corpo? Qual o valor deste
valores? E uma vez encontrado, trabalhar com o que convém e não convém. A
negatividade ética entre os gregos é a passividade em relação aos prazeres.
Não se pode constituir-se como sujeito moral no uso dos prazeres sem constituir-se ao mesmo tempo como sujeito de conhecimento” – Foucault, Uso dos Prazeres, p. 106
Esse
cuidado de si gera também um conhecimento de si. Mente e corpo andando juntos.
Qual o melhor arranjo? Como tirar da vida seu suco mais doce? Os gregos se
perguntavam constantemente qual o melhor uso que se pode fazer dos prazeres. A
Ética devém estética e escapa dos domínios da moral. Os epicuristas já diziam, é
possível obter prazer, isso deve ser feito com cuidado e da melhor forma
possível, por isso nunca deixamos a razão de lado e nem criamos uma falsa
oposição entre conhecimento e prazeres.
A
temperança, sophron, acontece quando as partes da alma estão bem arranjadas,
quando há harmonia entre as partes. Temperança, sabedoria, constitui o sujeito
em sua realização, e é encontrada a duras penas, depois de grande esforço. A
vida é a arte do encontros, mas realizá-los é trabalhoso, demorado e exige
grande esforço. Entretanto, quando se conquista o domínio de si, não há mais
oposições, apenas usos! Grande conquista! Não há mais interpretações, apenas
experimentações!
Os
gregos, diz Foucault, não procuravam por uma verdade escondidas, procuravam,
isto sim, constituir-se como sujeitos de sua verdade. Nós procuramos por novas
verdades, possíveis verdades, outros usos para a verdade. O desejo não é um jogo
de esconde-esconde, ele não fica nos recônditos da alma esperando ser
desvendado. O corpo é desejo ativo de realizar encontros, cabe a nós agenciar da
melhor maneira, busca pelos bons encontros, que aumentem o canatus, que superem barreiras que nos limitam. O sujeito
ético-estético constrói um campo de relações em que ele desliza, sem deus, nem
mestre, apenas uma superfície lisa que se percorre!
Deve-se entender com isso uma maneira de viver cujo valor moral não está em conformidade a um código de comportamento nem em um trabalho de purificação, mas depende de certas formas, ou melhor, certos princípios formais gerais no uso dos prazeres, na distribuição que deles se faz, nos limites que se observa, na hierarquia que se respeita” – Foucault, Uso dos Prazeres, p. 110
A
verdade se encontra na relação, e ela tem uma lógica própria, uma lógica dos
afetos. Liberdade ativa, não de submissão. Podemos dizer que a oposição está na
vida que cresce e na vida que degenera. Mas como uma vida supera a si mesma?
Fazendo de si mesmo uma obra de arte, um savoir-faire! Escapando dos códigos e
da hermenêutica! Os mais doces prazeres advém do domínio de si, da temperança e
do cuidado de si, pela maneira como o sujeito se relaciona consigo mesmo e com
os outros.
Auto-poiésis,
sujeito ativo, senhor, criador, nômade, artista, sábio, o nome não importa. A
liberdade é a não servidão de si para consigo mesmo ou de si para com os outros.
A liberdade é encontrar o que o corpo pode, o que nos liga a nossa própria
essência. Os gregos mostraram as ferramentas, nós precisamos apenas usá-las
corretamente.
Texto
da Série: Cuidado de Si
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